Pessoas e vitrais

Pessoas são engraçadas… pessoas são estranhas. Ou partes disso. Encontram-se em fragmentos de momentos, agindo em forma de fragmentos. Porém levam consigo um mosaico inteiro de experiencias e vivências interiores secretas, desconhecidas… qual seria esse todo que só se mostra em fragmentos? Às vezes acho melhor que não se mostre, para que os encontros tenham o peso de um pequeno fragmento e não de um vitral inteiro. Assim como também prefiro não revelar como é meu próprio vitral. Mas quando ele parece demasiado pesado… penso se o dessas pesssoas-fragmento, nos ônibus, pelas ruas, que atravessaram na faixa, possa ser pesado também, de alguma forma. Mas dividir o peso ainda não é uma hipótese. Parece dar mais certo compartilhar alguns fractais em breves momentos. Apesar de pequenos, podem ser mais coloridos e brilhantes que um vitral inteiro. E pequenas belas peças podem formar um novo todo. Mais bonito. Menos pesado.

~~Ghost

LAJE

Porque ela tinha que descer? A laje era o único lugar só seu, todinho-seu, ali não tinha que dividir nada, pedir emprestado ou ser culpada de usar as coisas de Isadora. Que culpa tinha a pobre criança? Ela só queria se sentir bonita e cheirosa como a irmã.

Ah, era tão bom, ficar ali, na companhia do céu e do vento, prosando consigo mesma, num monólogo cheio de surpresas fingidas, de vidas que não eram a dela. Fechou os olhos, a mente descolou do corpo; estava no seu apartamento, lá tinha um quarto só seu! Ela tinha um guarda-roupa seu! Dentro dele, havia bolotas de roupas unicamente suas, e já não cabia mais nada. Ela, por pena, quando suas primas a fossem visitar, diria: – Querida, acho que serve pra você… Mamãe disse que vocês estão com “dificuldades”.

Vera, contendo os risos satíricos, imaginava a cara da prima Flavinha. Mas Vera ia ser boazinha com a prima, ia chamá-la pra dormir em seu apartamento, a daria danones e bolachas. Não das baratas, mais das caras! Caríssimas!

Por fim, diria à sua pobre priminha que podia morar ali com ela, que estudariam juntas, brincariam com suas Barbies, iriam ao cinema, ao parque, aonde quisessem. Iriam no seu carro, teria até motorista! Iriam passear de carro pelas ruas de São Paulo. Flavinha ficaria deslumbrada, grudaria a cara na janela. Vera iria rir docemente da prima sem modos. “Coitada, ela nunca andou de carro”.

Quando chegassem em casa, sua mãe a receberia com um abraço bem demorado e junto ao seu peito, diria carinhosamente: – Vera, sabia que eu te a…

– VERA! VEM LAVAR A MERDA DESSA LOUÇA.

 

Colaboração de um dos nosso seguidores do facebook M.C.

Nostalgia ao contrário

É possível sentir nostalgia sobre algo que ainda não aconteceu? Falta do que poderia existir, mas não se faz presente… a não ser no imaginário, na mente, mas não na realidade.

Sonhar com uma possibilidade que nunca acontece. Seria ansiedade para que acontecesse? Tudo tem sua hora e sua vez, seu tempo de acontecer, uma coisa de cada vez. Verdade ou conformismo?

Seja o que for, a realidade não obedece nossas vontades e pensamentos. Talvez com eles possamos reger nosso lugar, onde estamos, aonde iremos, colocando o homem como dono de seu destino, estando em suas mãos as escolhas. Porém, se de fato o fosse, não teria acontecido muito mais daquilo que se espera – mas não acontece? Mistério entre destino incerto, ou domado. Só sei que sinto nostalgia.

Saudade do que ainda não aconteceu. Coisas que, apesar das escolhas, o destino ainda não permitiu que aparecessem ou que fossem minhas. Nem dá sinais disso. E nem sei se existem, ou se não passam de ilusão. Mas tudo tem sua hora e sua vez. Conformismo, ou só resta mesmo conformar-se. E nostalgia.

~~Ghost

A vida é um jogo, a felicidade um risco, o futuro uma aposta.

A própria capacidade de escolha é uma descoberta. Sempre presente, aguardando ser desperta. Infelizmente, é muitas vezes fracamente utilizada, sem fazer jus ao seu potencial. Uma vez percebida, porém, ainda não é suficiente: percebe-se a capacidade de fazer as próprias escolhas, mas não se é capaz do fundamental, o “escolher” – a ação, o movimento. Sabe-se, mas não o faz.

Isso causa decepção. Sensação de incompletude e carência de algo que “não se sabe o quê”. Claro, não se tentou, logo, nem se ousou sair do plano do imaginário. Não lhe deu formação. Ideia incompleta. A falta.
E a falta de explicação sobre a falta, provoca a raiva do mundo ou de qualquer culpado, inconformismo, gasto de energia e cansaço do coração em função da não conquista. A falta.

Até se perceber quem seria o único capaz de direcionar o arco do “escolher” e atirar sua própria flecha da escolha. Mas não o fez. E é mais fácil disfarçar o “nem tentei” com o conformismo, esconder a verdadeira escolha embaixo do que está pronto e já é seguro, vestir a máscara da rotina maquiando a vontade, escondendo-a no fundo de um baú para não ser notada. Ao invés de assumir que não se conseguiu escolher, esconda a escolha. Fingir que ela não existe. Incapaz? Jamais. Antes abrir mão da própria vontade do que parecer incapaz. Um pouco contraditório.

Ou, todo esforço gasto no disfarce, ao invés disso poderia ser investido no aprimoramento do escolher. É o caminho mais dolorido e um árduo treinamento, com suor e feridas, mas que secam e cicatrizam com a finalidade, a busca e o objetivo. E quando “o escolher” vai se aprimorando, aprende a desviar de obstáculos da sociedade e da interioridade, aponta e dispara sua flecha da escolha de modo cada vez mais preciso – a sensação é extasiante, como a adrenalina do momento entre o arremesso do dardo e sua possibilidade de fincar no centro do alvo.

Entre uma multidão, o objetivo escolhido é localizado, agarrado pelo braço, segurado pela mão, envolvido pelos braços, e beijado. As estrelas parecem fogos de artifício, o céu acende como um holofote glorificando a conquista, o vento toca suas trombetas, e todo o universo parece gritar BINGO! Alcança-se, consegue-se, e o que era objetivo passa a conquista.

Porém, essa sensação pode terminar… se a escolha feita mostrar-se objeto de profunda tristeza. E de conquista retorna a ser objeto. Novamente, aparece a frustração, mas dessa vez o motivo é conhecido: sabe-se que o que houve, infelizmente, foi uma escolha desacertada. E então, não há mais a falta de “não se sabe o quê”: não se é mais veículo do mistério, mas dono de sua própria razão.

Ao menos, agora a opção é ativa e o potencial usado, e não passivamente desperdiçado em sofrer por não fazer, falta por não saber. E, uma vez em movimento, dificilmente o conformismo da inércia retornará.

Quando se aprende a escolher e arriscar, nada parecerá pior do que uma vida tranquila e sossegada, sem testes do que é possível e do que se é capaz. Quase um jogo de vício saudável. Jogar com as próprias capacidades e as que a vida pode proporcionar. A vida é um jogo, a felicidade um risco, o futuro uma aposta.

~Ghost

“Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende. Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”
Cora Coralina

Caminhando nas Sombras

Era apenas mais uma noite fria sombria e perigosa de uma grande cidade…

 A lua brilhava alta e imponente no céu, seu ciclo estava quase completo e quase que se podia apostar estar ela totalmente cheia. Para competir com a luz da lua quase nenhuma luz de casa ou apartamento estava acessa, exceto por alguns pequenos pontos que ainda reluziam pelos altos edifícios. O céu estava limpo, mas ainda era possível ver algumas nuvens que restaram dos temporais daquela tarde.

Na rua, apesar do tardar da hora ainda era grande a movimentação de pessoas. Apesar de toda a movimentação já era por demasiado tarde da noite para uma pregação, mesmo sendo esse um local público onde as pessoas nunca dormem algumas atividades parecem inapropriadas para algumas horas do dia, e aquela pregação era com certeza algo um tanto quanto incomum para àquela hora e para aquele local.

Estava ele numa praça, um local conhecido naquela cidade. Porém, essa não era como uma praça comum, com alguns bancos, mendigos, cachorros e uma igreja, mas essa era um tanto quanto grandiosa, com uma incrível passarela de pedestre, uma enorme fonte e algumas palmeiras. Por baixo dessa praça ainda era possível ouvir o barulho do metrô deslizando pelos trilhos. Nessa praça não havia apenas uma igrejinha, mas uma imensa catedral com lindas colunas de pedras e imagens gigantescas esculpidas nelas sobre portas de madeira com muitos metros de altura.

Era um local histórico e famoso da cidade, e por esse motivo que este era o local favorito para muitas estranhas figuras que fugiam de um padrão social convencional, como moradores de ruas, prostitutas e usuários de drogas, além é claro, do senhor que realizava aquela apocalíptica pregação naquela noite.

Ele falava sobre o apocalipse, sobre uma grande guerra, sobre criaturas malignas super-poderosas e sobre o fim da humanidade. E há algumas boas horas que estava lá, naquela praça, e está não era a primeira vez que agia dessa forma, pregando profecias apocalípticas pela madrugada. Vestia trajes desgastados e possuía uma aparência bondosa, mas, nada limpa. Seus olhos eram fundos e amedrontados. Mesmo com essas marcantes, e incomuns, características, ele ainda atraia grandes seguidores e a muitos cativava. Suas assustadoras histórias tinham muitos ouvintes.

O principal público de nosso profeta era formado pelos ilustres moradores daquela praça, e esses eram muitos, e estavam espalhados por todas as partes. Alguns dormiam enquanto outros ou prestavam atenção no homem ou zombavam deste pelo seu falatório. Alguns que transitavam pelo local muitas vezes paravam para ouvi-lo, mas não convencidos de suas profecias, ou com receio do local, não ficavam muito tempo e logo o deixavam.

  

A policia havia sido acionada por alguns moradores e comerciantes locais para retirar da rua o homem que insistia em pregar àquela hora da noite e logo uma viatura chegou com dois policiais para retirá-lo.

Aquela noite, em especial, era a primeira noite em que um dos policiais, que estavam na viatura, saía para fazer patrulha nas ruas. Há muito tempos, porém, que esse policial estava na policia, mas só agora começara a trabalhar na rua. Seu parceiro, entretanto há muitos anos estava trabalhando na rua e conhecia o homem da pregação muito bem, e apesar de tudo ele estava incluso entre os fieis ouvintes do pobre profeta da madrugada.

Este policial conhecia muito bem aquela região e seus habitantes, e apesar de ser bem familiarizado com tudo e todos ainda não se sentia suficientemente confortável e seguro. Ele já havia presenciado em seus muitos anos de trabalho todo tipo de criatura, nos mais diversos atos de loucura e violência que se eram possíveis de se imaginar. Isso apesar de chocante a muitos e bem característico de grandes centros urbanos, por serem justamente esses os principais locais de exclusão social possíveis de se ver e testemunhar, e é justamente em meio a esses centros que se reúnem legiões de discriminados, excluídos, marginalizados e desacreditados das sociedades das grandes cidades. São nesses lugares, freqüentados e habitados pelos mais diversos tipos de pessoas que todo tipo de crime pode acontecer, e ser facilmente esquecido ou jamais ser pronunciado, justamente por serem os criminosos e os agredidos, na maioria dos casos, os esquecidos da sociedade.

– Ei amigo! Que tal essa hein? Ter de ser chamado para retirar um pastor no meio da madrugada porque ele ta fazendo barulho de mais e não deixa os vizinhos dormirem em paz e ter lindos sonhos – falou o policial mais novo que estava indignado com a sua primeira missão na patrulha da madrugada.

– Pois é amigo, você não pensou que sua vida na patrulha seria cheia de aventuras e riscos como nos filmes né?- respondeu o segundo policial que já percebera a decepção no rosto de seu companheiro.

Para ele, porém esse tipo de “missão” já era algo rotineiro, estava acostumado a ir e vir de lugares mandando as pessoas se retirarem de lugares, a abaixarem o volume, ou a apaziguar briga de vizinhos. Essa não era a primeira vez que ele havia sido chamado para retira o profeta da madrugada, mas sabia também que sua presença ali não faria diferença, pois ele pediria ao profeta, e como muitas vezes fez, conversaria com ele, ou levaria ele para a delegacia, e nada adiantaria, ele continuaria a ir todas as noites para o mesmo local para continuar sua pregação. E apesar de sua entediante tarefa, ele até que gostava de estar ali ouvindo um pouco do que o profeta tinha a dizer.

– Então vamos logo acabar com isso? – disse o policial mais novo já pensando que era perda de tempo de mais permanecer ali.

– Ei! Calma ai amiguinho – disse o outro policial- vamos dar uma checada em volta pra ver o que tem de interessante por aqui.

– O que?

– Vem comigo!

Os dois seguiram em direção à praça, mas antes pararam em uma lanchonete próxima dali. A lanchonete fica do outro lado da rua da praça, e dela era possível ver toda a movimentação da praça.

– E ai tudo certinho? – dizia o policial mais velho ao dono da lanchonete que o cumprimentava com um aperto de mão.

   – É tudo na mesma. Veio pegar nosso velho amigo de novo?- perguntou o dono da lanchonete?

– É. Ligaram novamente para denunciar o profeta! – disse isso rindo o policial – Esse aqui é o meu novo parceiro, veio substituir o Costa. – disse ele apresentando o outro policial ao dono da lanchonete.

– Prazer tenente Souza. – cumprimentou o policial mais novo ao dono da lanchonete.

– Já trouxe ele para conhecer o Jesus dos mendigos? – divertia-se o dono da lanchonete.

– Pois é, ele foi premiado logo de cara.

– Da pra acreditar? Eu ter que mandar um pastor ficar quieto e voltar pra casa a essa hora da madrugada? – dizia indignado o policial mais novo – Esse cara só pode ta de brincadeira!

 Os outros dois ficaram a rir da situação, depois ficaram ali na lanchonete conversando com o dono que estava atrás do balcão enquanto observavam o pastor em sua pregação.

Aquela noite, porém, o policial que há muitos anos trabalhava naquele local sentia que algo de errado estava acontecendo. Apesar de ser um velho conhecido do pastor apocalíptico notava que seu amigo estava diferente. Ele falava mais exaltado que o normal, e parecia bem mais apavorado que o habitual. Em seus olhos podia sentir um desconforto bem diferente dos outros dias que o vira em suas apresentações. Sentia ele que aquela noite seria diferente das demais que viverá em seus muitos anos de trabalho, e por isso tentava ser o mais cauteloso o possível, enquanto tentava inibir euforia de seu novo companheiro.

   

– Riam enquanto podem. Amem suas esposas e bebam suas cervejas normalmente enquanto ainda há ar em seus pulmões, pois chegará o tempo em que nada disso será mais possível. Não temos como vencê-los. Eles são muitos e fortes e sua sede e avassaladora. Não sobrará nada nem ninguém para contar o fim de nossa espécie.

O profeta falava como se fosse à última vez que conseguiria transmitir seus pensamentos. Ele realmente parecia mais assustado que o normal, assim como suspeitava seu amigo policial, que pode constatar isso assim que se aproximou dele para poder por um fim nas pregações daquela noite.

– Senhor! Por favor, peço que se retire. Já ta meio tarde pro senhor ficar aqui falando alto e causando tumulto entre os moradores de ruas. – disse isso o policial mais novo tentando por um fim naquela situação.

Todos que estavam ouvindo o profeta começaram então a se manifestar e a vaiar o policial que pedia a saída do profeta, e quando ele pediu que todos voltassem a suas casas e fizessem silencio alguns ate começaram a lançar objetos no policial tentando impedir a sua ação.

– Ei! Todo mundo pra trás, senão ou vou mandar prender todo mundo. – disse em desespero e sacando a arma, o policial mais novo, quando percebeu que os seguidores dos profetas começavam a se aproximar.

– Ei amiguinho! Calminho ai! Desse jeito você não vai conseguir nada com eles aqui. Beleza? – disse o outro policial falando baixinho enquanto abaixava a arma de seu companheiro. Logo em seguida ele se virá para todos no local e diz:

– Pessoal, sinto muito, mais a missa aqui terminou beleza? Quero todos fora daqui certinho? Sem pânico e sem confusão. Acabou pessoal! E o Senhor – disse virando-se para o causador de toda a bagunça – acho que precisamos conversar um pouco, o senhor sabe né?

  

Nas proximidades daquela Praça, Lucy estava a observar atentamente o homem que falava para o pequeno publico atento, estava ela parada, obscurecida por uma parede. Achava ela aquilo muito interessante, e não perdia nenhum momento daquelas palavras e do movimento das pessoas que as escutavam.

Ela podia sentir o bater de todos os corações que estavam nos arredores. Ela adorava ouvir o som da vida pulsando próximo de si. Ouvia as suas vozes e sentia seu cheiro. Por algum momento sentia suas mente, e ouvia seus pensamentos. Sabia da angustia e desconfiança de alguns, e do medo e disfarçado em outros. Não sabia por que mais escutar o respirar das pessoas, ouvir seus corações batendo, trazia para ela uma sensação boa, era a dose de vida que ela acrescentava ao seu mundo morto.

Ela tinha fome, ódio e pressa! Precisava resolver alguns assuntos que há muito tempo estavam pendentes, e era exatamente esses assuntos que a traziam aquela cidade. Já há alguns dias que ela andava por aquela cidade e não sentia que estava próxima de concluir sua missão, muito pelo contrário, a sentia cada vez mais distante e oculta. Sabia que aquela não seria uma noite fácil, porém, estava preparada para tudo mesmo estando, como realmente estava, por demasiado cansada.

 

Ela poderia ficar horas observando-os, assim como uma imponente onça fica a espreitar o rebanho antes de caça. Lá estava ela parada, atenta a cada detalhe, sentindo cada pulsar e imaginando as diversas formas de agir, com rapidez, precisão e destreza. Observava cada movimento, cada vai e vem dos que passavam cada exaltação do profeta da noite, e nada a fazia perder seu foco. Ela estava pronta, e só precisava agora de um milésimo de segundo, o segundo ideal, onde muitos destinos seriam modificados, mas, que poucos o perceberiam. E agora ela podia ouvir o som da morte a chamando por um momento, um momento único e crucial….

 

OLIVEIRA, A.C.

Diálogo entre duas mulheres do século XXI sobre gênero e amor

– Príncipes assim não se encontra todo dia…

– Que idiotice, esperar encontrar príncipes! Como se alguém precisasse chegar pra te salvar de alguma coisa. Como se alguém precisasse aparecer pra sua vida fazer sentido. Como se ela não pudesse fazer sentido por si só, com o que ela pode oferecer, independente de outro alguém externo a você mesma… como se a constante busca, achados e momentos que a vida pode proporcionar não fossem suficientes. Que falta de individualidade!

Dizem que as mulheres são mais românticas, mas isso é muito injusto. Como se fosse feminina essa necessidade de amar, compartilhar, doar, e receber tudo isso também. Só porque a mulher que tem a capacidade de comportar um bebê, seria como se a natureza tivesse “acentuado” essas características nela. E assim, pagamos por isso com uma sociedade que reforça crenças absurdas em que é criado um princípio feminino associado à passividade, incapacidade, sentimentalismo excessivo, não ensinando a constituição de seres humanos autônomos. Reforça a dependência a homens egoístas, criados para serem dominadores, autoritários e rudes, fazendo tudo isso de modo acobertado pela sociedade que associou vários princípios e ideais ao “feminino” e “masculino”, simplesmente impondo “restrição” e “liberdade”.

Por mais que a mentalidade das pessoas já esteja mudando, meninas ainda apreciam o romance e o amor, tendo como princípio a dedicação ao próximo, o que deveria ser de forma recíproca; mas em uma sociedade que desvirtua a autonomia para criar dominadores e dominados, o amor acaba tornando-se unilateral, associa-se à dependência, ao pieguismo, e ainda como se essa doação sem retorno fosse simplesmente normal.

Não seria a necessidade de amar, compartilhar, doar, e receber tudo isso também, “humana”, e não “feminina” ou “masculina”? E não podemos ser livres para assumir, expressar e receber amor? Não podemos ter a necessidade de compartilhar nossas vidas e sentimentos? Não. Porque tudo isso é associado com “fraqueza” e empurrado para as características “femininas”; as mulheres devem esperar – e não escolher – seu amor e assim servi-lo para sempre sendo o pilar da vida doméstica, por isso precisam ter todos os atributos relacionados a sentimentos. E isso não é coisa para homens, que precisam ter ação, movimento, escolhendo a pessoa que irá servir para o lado sentimental da sua vida, que nunca pode ser muito assumido ou algo a se entregar totalmente, por isso, nunca pode ser concentrado em uma única pessoa.

Nunca obedecerei esse absurdo. Tenho a necessidade da ação em meus princípios, não da espera, quero a aventura da amplitude e descoberta do mundo e não a entrega aos sentimentos como uma clausura! Nunca vou esperar um príncipe, nunca vou aceitar essas regras absurdas que envolvem o romance, prefiro estar só e livre; se é esse amor que a sociedade cria e que existe, odeio-o, e nunca vou amar.

– Mas eu não esperei um príncipe. Eu encontrei. E príncipes assim não encontra-se todo dia… não feche os olhos e desista dos príncipes, eles existem, não como a sociedade os delimita, mas como você os caracteriza, entende e sente, ambos como pessoas humanas com a necessidade de amar; o que você odeia é a sociedade, e não o amor; ele é sublime demais para ser compreendido apenas pelo modo estreito do senso comum, sublime demais para ser restrito a isso, e sublime demais para ser odiado.

por: Bluebia

Muitas palavras, poucas palavras, muito, pouco.

Um dia desses, no ônibus, indo para o trabalho, ouvi uma mulher contando algumas coisas para outra:

(…)” – Por causa de dó sabe… sô meio bestalhada com as pessoa. Queria vê se fosse eu, e elas fosse assim também, como é que ia sê né? O pai deles não presta pra nada, só pra me enchê o saco. Agora tive que i lá vê como vai sê o reforço dela… pra essas porcaria é tudo eu, não faiz nada. O pequeno agora tá com um buraco no dente. O dentista falô que é falta de escovação, e eu fico: “meu filho, escova o dente, escova o dente…”. Agora precisa î lá fazê a bituração. E o pai deles tem um plano, da Amil. É só marcar. Tô
muito devagar, preciso colocar minha vida em dia… (…) sabe o que a filha daquela lá faiz? Quando a mãe chega cansada, a filha fala: “mãe, pode descansá, viu”. E faiz as coisa tudo! Se dependê dos meu fala assim: “mãe, pode limpá depois você descansa”. Falo: “tá vendo, ela tem dó da mãe que trabalha a noite que nem uma condenada, e vocêis num presta pra nada, trabalhá, cuidá da nenê, pintiá o cabelo da nenê, tudo eu, e ainda fala: pode fazê mãe.” Pois é! Se dependê deles fica só no computador e jogando video-game o dia todo, até a hora da escola (…) mais um dia ele limpo o fogão, a pia, e falo: mãe, limpei o fogão e a pia, mas o chão não sei limpá. Aí falei: ah, mas é hoje que você aprende então! (…) fiz um plano pro celular. Da Tim, paga só 0,50 centavos (…) de castigo, no chão, ainda pedindo desculpa, olhando um pra cara do outro. Já fiquei muito nesse castigo, nossa… até que um dia meu pai gritô com a minha mãe: “Esse castigo não é pra fazê mais não! Melhor dá uma surra logo, mas esse castigo não é pra fazê não, intedeu? Isso é coisa dos antepassado, não é de hoje não!”. Acho que foi o dia que eu mais vi minha mãe gritá com meu pai. Ela fechô a porta, mais nóis ouvia os
grito.”

Chegando no trabalho do banco, ouvi uma conversa:
– mas com esses juros que tá, e ainda com a cotação…
– é coisa que um milhãozinho resolve.

Muitas palavras, poucas palavras.

AGN BMA GHOST

Freud e o amor

“Refiro-me, é claro, àquela orientação de vida que toma o amor como centro, que espera toda satisfação do amar e ser amado. Semelhante orientação psíquica é bastante compreensível a todos nós; uma das manifestações do amor, o amor sexual, nos proporcionou a mais intensa experiência de uma sensação avassaladora de prazer, fornecendo-nos assim o modelo de nossas aspirações de felicidade. O que é mais natural do que persistirmos em buscar a felicidade na mesma via em que pela primeira vez a encontramos?

O ponto fraco dessa técnica de vida é bem evidente; caso contrário, ninguém teria pensado em trocar esse caminho para a felicidade por outro. Jamais estaremos tão desprotegidos contra o sofrimento do que quando amamos, jamais nos tornaremos tão desamparadamente infelizes do que quando perdermos o objeto amado ou o seu amor. Contudo, isso não esgota a técnica de vida baseada no valor de felicidade do amor; há muito mais a dizer a respeito…” (Freud: O mal estar na civilização)

E o que resta é uma canção sobre o amor… ah, o amor.

BMA AGN

Mãos de nuvem

Quando criança eu sonhava ter
um regador.Imagem
Me fascinava aquele bico todo
furadinho banhando as folhas,
invadindo, fecundando
e perfumando a terra.
Era como se eu tivesse a chuva
em minhas mãos.
Sinto falta das coisas simples da
vida fantasiadas com tamanha
complexidade por uma criança.

Daniela Lima