Flores, húmus e humanos

Flores, flores, lindas flores

Se você fosse uma garota e não um garoto

Eu te daria muitas flores

Você é tão doce… como o perfume

destas lindas flores, neste bosque

que se ilumina pela noite

cheio de vagalumes

 

Flores de carne,

Flores com faces

Que brotam da terra

Plantas humanas

Raízes, caule, estame

Pétalas de dentes, olhos e pele

 

Seiva ao invés de sangue

Ramos ao invés de veias

Enroscados no húmus

Braços, pernas e dedos

Crescem para o fundo

 

Cheiro de chuva, cheiro de terra

no mesmo plano que a relva

Rastejam por nós insetos

O solo é nosso alimento

a luz nos nutre

Não matamos para próprio sustento

Melhores que os homens somos

Melhores que humanos.

 

Não, não diga que não quer

nem a mim, nem às flores

Porque encontrou um novo amor

Não, flores não duram para sempre…

Flores humanas apodrecem

Voltam ao pó de onde vieram

Fenecem

E os vermes se alegram, fazem festa

Não é vício, não é asco

É o ciclo terrestre

 

Algum dia nossos corpos estarão juntos

Embaixo da terra, sob o solo

nos uniremos, viraremos um só

em nossos restos

Abraçados, absorvidos, digeridos, aglutinados

que belo romance

Quem sabe renasceremos como flores

Flores humanas que enfeitam o jardim

 

Eu ando por aqui

Passeio pelos túmulos

Pelas estátuas de pedra

Tulipas, rosas e lúpulos

Cheiro de carne, cheiro de grama

Poderia te dar flores como estas

Tão amáveis como você.

flores monstro

by Ghost

Caminhando nas Sombras

Era apenas mais uma noite fria sombria e perigosa de uma grande cidade…

 A lua brilhava alta e imponente no céu, seu ciclo estava quase completo e quase que se podia apostar estar ela totalmente cheia. Para competir com a luz da lua quase nenhuma luz de casa ou apartamento estava acessa, exceto por alguns pequenos pontos que ainda reluziam pelos altos edifícios. O céu estava limpo, mas ainda era possível ver algumas nuvens que restaram dos temporais daquela tarde.

Na rua, apesar do tardar da hora ainda era grande a movimentação de pessoas. Apesar de toda a movimentação já era por demasiado tarde da noite para uma pregação, mesmo sendo esse um local público onde as pessoas nunca dormem algumas atividades parecem inapropriadas para algumas horas do dia, e aquela pregação era com certeza algo um tanto quanto incomum para àquela hora e para aquele local.

Estava ele numa praça, um local conhecido naquela cidade. Porém, essa não era como uma praça comum, com alguns bancos, mendigos, cachorros e uma igreja, mas essa era um tanto quanto grandiosa, com uma incrível passarela de pedestre, uma enorme fonte e algumas palmeiras. Por baixo dessa praça ainda era possível ouvir o barulho do metrô deslizando pelos trilhos. Nessa praça não havia apenas uma igrejinha, mas uma imensa catedral com lindas colunas de pedras e imagens gigantescas esculpidas nelas sobre portas de madeira com muitos metros de altura.

Era um local histórico e famoso da cidade, e por esse motivo que este era o local favorito para muitas estranhas figuras que fugiam de um padrão social convencional, como moradores de ruas, prostitutas e usuários de drogas, além é claro, do senhor que realizava aquela apocalíptica pregação naquela noite.

Ele falava sobre o apocalipse, sobre uma grande guerra, sobre criaturas malignas super-poderosas e sobre o fim da humanidade. E há algumas boas horas que estava lá, naquela praça, e está não era a primeira vez que agia dessa forma, pregando profecias apocalípticas pela madrugada. Vestia trajes desgastados e possuía uma aparência bondosa, mas, nada limpa. Seus olhos eram fundos e amedrontados. Mesmo com essas marcantes, e incomuns, características, ele ainda atraia grandes seguidores e a muitos cativava. Suas assustadoras histórias tinham muitos ouvintes.

O principal público de nosso profeta era formado pelos ilustres moradores daquela praça, e esses eram muitos, e estavam espalhados por todas as partes. Alguns dormiam enquanto outros ou prestavam atenção no homem ou zombavam deste pelo seu falatório. Alguns que transitavam pelo local muitas vezes paravam para ouvi-lo, mas não convencidos de suas profecias, ou com receio do local, não ficavam muito tempo e logo o deixavam.

  

A policia havia sido acionada por alguns moradores e comerciantes locais para retirar da rua o homem que insistia em pregar àquela hora da noite e logo uma viatura chegou com dois policiais para retirá-lo.

Aquela noite, em especial, era a primeira noite em que um dos policiais, que estavam na viatura, saía para fazer patrulha nas ruas. Há muito tempos, porém, que esse policial estava na policia, mas só agora começara a trabalhar na rua. Seu parceiro, entretanto há muitos anos estava trabalhando na rua e conhecia o homem da pregação muito bem, e apesar de tudo ele estava incluso entre os fieis ouvintes do pobre profeta da madrugada.

Este policial conhecia muito bem aquela região e seus habitantes, e apesar de ser bem familiarizado com tudo e todos ainda não se sentia suficientemente confortável e seguro. Ele já havia presenciado em seus muitos anos de trabalho todo tipo de criatura, nos mais diversos atos de loucura e violência que se eram possíveis de se imaginar. Isso apesar de chocante a muitos e bem característico de grandes centros urbanos, por serem justamente esses os principais locais de exclusão social possíveis de se ver e testemunhar, e é justamente em meio a esses centros que se reúnem legiões de discriminados, excluídos, marginalizados e desacreditados das sociedades das grandes cidades. São nesses lugares, freqüentados e habitados pelos mais diversos tipos de pessoas que todo tipo de crime pode acontecer, e ser facilmente esquecido ou jamais ser pronunciado, justamente por serem os criminosos e os agredidos, na maioria dos casos, os esquecidos da sociedade.

– Ei amigo! Que tal essa hein? Ter de ser chamado para retirar um pastor no meio da madrugada porque ele ta fazendo barulho de mais e não deixa os vizinhos dormirem em paz e ter lindos sonhos – falou o policial mais novo que estava indignado com a sua primeira missão na patrulha da madrugada.

– Pois é amigo, você não pensou que sua vida na patrulha seria cheia de aventuras e riscos como nos filmes né?- respondeu o segundo policial que já percebera a decepção no rosto de seu companheiro.

Para ele, porém esse tipo de “missão” já era algo rotineiro, estava acostumado a ir e vir de lugares mandando as pessoas se retirarem de lugares, a abaixarem o volume, ou a apaziguar briga de vizinhos. Essa não era a primeira vez que ele havia sido chamado para retira o profeta da madrugada, mas sabia também que sua presença ali não faria diferença, pois ele pediria ao profeta, e como muitas vezes fez, conversaria com ele, ou levaria ele para a delegacia, e nada adiantaria, ele continuaria a ir todas as noites para o mesmo local para continuar sua pregação. E apesar de sua entediante tarefa, ele até que gostava de estar ali ouvindo um pouco do que o profeta tinha a dizer.

– Então vamos logo acabar com isso? – disse o policial mais novo já pensando que era perda de tempo de mais permanecer ali.

– Ei! Calma ai amiguinho – disse o outro policial- vamos dar uma checada em volta pra ver o que tem de interessante por aqui.

– O que?

– Vem comigo!

Os dois seguiram em direção à praça, mas antes pararam em uma lanchonete próxima dali. A lanchonete fica do outro lado da rua da praça, e dela era possível ver toda a movimentação da praça.

– E ai tudo certinho? – dizia o policial mais velho ao dono da lanchonete que o cumprimentava com um aperto de mão.

   – É tudo na mesma. Veio pegar nosso velho amigo de novo?- perguntou o dono da lanchonete?

– É. Ligaram novamente para denunciar o profeta! – disse isso rindo o policial – Esse aqui é o meu novo parceiro, veio substituir o Costa. – disse ele apresentando o outro policial ao dono da lanchonete.

– Prazer tenente Souza. – cumprimentou o policial mais novo ao dono da lanchonete.

– Já trouxe ele para conhecer o Jesus dos mendigos? – divertia-se o dono da lanchonete.

– Pois é, ele foi premiado logo de cara.

– Da pra acreditar? Eu ter que mandar um pastor ficar quieto e voltar pra casa a essa hora da madrugada? – dizia indignado o policial mais novo – Esse cara só pode ta de brincadeira!

 Os outros dois ficaram a rir da situação, depois ficaram ali na lanchonete conversando com o dono que estava atrás do balcão enquanto observavam o pastor em sua pregação.

Aquela noite, porém, o policial que há muitos anos trabalhava naquele local sentia que algo de errado estava acontecendo. Apesar de ser um velho conhecido do pastor apocalíptico notava que seu amigo estava diferente. Ele falava mais exaltado que o normal, e parecia bem mais apavorado que o habitual. Em seus olhos podia sentir um desconforto bem diferente dos outros dias que o vira em suas apresentações. Sentia ele que aquela noite seria diferente das demais que viverá em seus muitos anos de trabalho, e por isso tentava ser o mais cauteloso o possível, enquanto tentava inibir euforia de seu novo companheiro.

   

– Riam enquanto podem. Amem suas esposas e bebam suas cervejas normalmente enquanto ainda há ar em seus pulmões, pois chegará o tempo em que nada disso será mais possível. Não temos como vencê-los. Eles são muitos e fortes e sua sede e avassaladora. Não sobrará nada nem ninguém para contar o fim de nossa espécie.

O profeta falava como se fosse à última vez que conseguiria transmitir seus pensamentos. Ele realmente parecia mais assustado que o normal, assim como suspeitava seu amigo policial, que pode constatar isso assim que se aproximou dele para poder por um fim nas pregações daquela noite.

– Senhor! Por favor, peço que se retire. Já ta meio tarde pro senhor ficar aqui falando alto e causando tumulto entre os moradores de ruas. – disse isso o policial mais novo tentando por um fim naquela situação.

Todos que estavam ouvindo o profeta começaram então a se manifestar e a vaiar o policial que pedia a saída do profeta, e quando ele pediu que todos voltassem a suas casas e fizessem silencio alguns ate começaram a lançar objetos no policial tentando impedir a sua ação.

– Ei! Todo mundo pra trás, senão ou vou mandar prender todo mundo. – disse em desespero e sacando a arma, o policial mais novo, quando percebeu que os seguidores dos profetas começavam a se aproximar.

– Ei amiguinho! Calminho ai! Desse jeito você não vai conseguir nada com eles aqui. Beleza? – disse o outro policial falando baixinho enquanto abaixava a arma de seu companheiro. Logo em seguida ele se virá para todos no local e diz:

– Pessoal, sinto muito, mais a missa aqui terminou beleza? Quero todos fora daqui certinho? Sem pânico e sem confusão. Acabou pessoal! E o Senhor – disse virando-se para o causador de toda a bagunça – acho que precisamos conversar um pouco, o senhor sabe né?

  

Nas proximidades daquela Praça, Lucy estava a observar atentamente o homem que falava para o pequeno publico atento, estava ela parada, obscurecida por uma parede. Achava ela aquilo muito interessante, e não perdia nenhum momento daquelas palavras e do movimento das pessoas que as escutavam.

Ela podia sentir o bater de todos os corações que estavam nos arredores. Ela adorava ouvir o som da vida pulsando próximo de si. Ouvia as suas vozes e sentia seu cheiro. Por algum momento sentia suas mente, e ouvia seus pensamentos. Sabia da angustia e desconfiança de alguns, e do medo e disfarçado em outros. Não sabia por que mais escutar o respirar das pessoas, ouvir seus corações batendo, trazia para ela uma sensação boa, era a dose de vida que ela acrescentava ao seu mundo morto.

Ela tinha fome, ódio e pressa! Precisava resolver alguns assuntos que há muito tempo estavam pendentes, e era exatamente esses assuntos que a traziam aquela cidade. Já há alguns dias que ela andava por aquela cidade e não sentia que estava próxima de concluir sua missão, muito pelo contrário, a sentia cada vez mais distante e oculta. Sabia que aquela não seria uma noite fácil, porém, estava preparada para tudo mesmo estando, como realmente estava, por demasiado cansada.

 

Ela poderia ficar horas observando-os, assim como uma imponente onça fica a espreitar o rebanho antes de caça. Lá estava ela parada, atenta a cada detalhe, sentindo cada pulsar e imaginando as diversas formas de agir, com rapidez, precisão e destreza. Observava cada movimento, cada vai e vem dos que passavam cada exaltação do profeta da noite, e nada a fazia perder seu foco. Ela estava pronta, e só precisava agora de um milésimo de segundo, o segundo ideal, onde muitos destinos seriam modificados, mas, que poucos o perceberiam. E agora ela podia ouvir o som da morte a chamando por um momento, um momento único e crucial….

 

OLIVEIRA, A.C.

O TEMPO, A CIDADE E O MUNDO

6:30 da manhã.
Lá vou eu correndo contra o tempo.
Contra o tempo, sempre com pressa
Pressa, de chegar ao exato momento,
Sempre com medo de me atrasar.

Antes de levantar,
Ainda no escuro do meu quarto
Ouço aos poucos o som da vida.
O despertador é o sinal de acordar,
Barulho que me desperta num infarto,
Lembrando-me, já manhã amanhecida.

Acordo num susto!
Mas, resisto num cochilo,
E ais outro…

Acordo enfim com sufoco.
Acordada por um mix de sons vindos da cidade lá fora,
Da vida que o despertador e avisa agora
Da qual devo retornar.

Das janelas vizinhas
Ouço o bater das xícaras.
Mais um café,
Mais um pãozinho
Mais um ‘bom dia!’
Mais uma vez de pé
Para um dia que se inicia.

Ao chegar à estação
Percebo que não há mais espaço.
Transgredimos a razão
Tornando-nos leve descompasso.
Onde no mesmo instante de tempo
Suprimimos todo o espaço.

A cidade é só barulho, pelo dia a fora.
E tudo que ouço é igual.
Já ouvi antes, ouvirei amanhã e ouço agora.
Só assim para estar tudo normal.

De repente, até parece música, com melodia e canção.
O teck teck dos teclados dos computadores,
Os vai e vem das serralherias cortantes,
O ‘brum brum’ das britadeiras pulsando.
É um novo mundo em construção.

Construindo um novo mundo.
O mundo do futuro.
De um futuro obscuro.

Mundo que não é nosso,
E nunca será.
Se é que um dia foi.
Não é de mim, nem de qualquer alguém.
Pois, este esta num futuro que não nos pertence.
Futuro que não pertence a ninguém.

Enquanto isso se constrói o mundo.
Mundo que com o tempo desmorona.
Na eternidade do tempo passado e futuro.
Um mundo de matéria construído.
Pequenas e milhares partículas de matéria.
Matéria que rui, nasce e decompõe.

 

OLIVEIRA, A.C.

Realidade, sambe na minha cara!

Gosto quando a realidade se exibe para mim.
Sem pudor e sem receio me provoca,
me testa.
Como um dançarino, baila na minha frente,
expulsando todas as ilusões estáticas e impregnadas
na minha mente sonhadora.
A realidade não precisa de artimanhas atraentes.
Apenas se mostra.
Me agride como um punho cerrado na face distraída.
Não encanta, não fascina, não beija, não ama…
A realidade invade os “versos íntimos” e rola
pela areia alimentando o “consolo na praia”.

                                                                 Daniela Lima

TAÇA DE VINHO

 

Essa taça de vinho

Que me tornou corada

Deixando-me levemente embriagada,

Pois tudo em desalinho.

Sou agora amante apaixonada

Com riso solto a altas gargalhadas.

Porém, mesmo que as pernas titubeiem…

Enfim,

Rumo ao desvario.

 

OLIVEIRA, A.C.

 

OBS: não é champanhe, nem tem bolo. mas, veio em forma de comemoração pelo 1º aniversário do blog. Obrigada a todos por este um ano de vida e piração.

A mais importante de todas as sabedorias

Manteiga derretida no pão

O leite e a espuma

Minha mãe arruma a lancheira

Bota pasta de dente na bolsa,

Caneca, fruta

Amarra o cadarço complicado

 

Sua mão é fresca e macia

Tão maior que a minha

E me guia para onde não serei nada

Senão mais um entre os outros

Para onde eu não terei nada

Nem o beijo de camurça

Nem os afagos,

Nem as brincadeiras na lama

 

E por isso chorei nas mãos da tia

E foi posto em meio à algazarra humana

Fizeram-me pintar letras sem significado

Cantar hinos sem significado

Rezar rezas sem significado

 

E eu só queria meus brinquedos.

 

Agora mastigo os traumas e babo ódio

Tento recuperar cada rachadura do vaso

Que se quebrara no chão

 

E se não posso mais reconhecer-me no que fui

Porque sou outro,

Pelo menos levo comigo

A mais importante de todas as sabedorias:

 

O tempo é um boi

 

T.

Paisagem acre

I

A vontade do sério:

fruta madura sobre a mesa,

o cheiro azul do sabonete,

o gosto ardido da hortelã.

 

Mas o espanto da fruta sobre a mesa…

O voo assustado das moscas…

O pão embrulhado no papel!

 

II

 

A avó fala línguas ruminantes

em suas conversas com fantasmas.

Suas mãos são enrugadas

de muitos sulcos, e nela

correm veias azuis e profundas

como os rios.

A Avó não é mais humana,

é um objeto além de toda matéria,

embora, mais do que tudo,

matéria.

 

Em sua cabeça o tempo desfia as nuvens

as nuvens são tão brancas

e tão silenciosas

T.