EMBRIAGUEZ

Isso é o que eu mais adoro:
Esse momento, nem bêbado nem sóbrio,
Que me faz sentir num limiar da vida.
Onde a razão e a emoção não são mais divididas.

Eu não sei o que acontece
Quando o álcool entra em sintonia com a mente.
Sei apenas que de repente
Todo temor se esvaece.
E tudo se torna diferente.

Bêbados, saímos de nossas vidas,
E entramos em um novo momento.
Um momento único e raro.
Em que nossas sensações não são mais inibidas
E tudo talvez fique mais nítido e claro,
Permitindo-nos ir mais alem.
Alem de quem somos
E do que nos permitimos.
Alem de nós mesmo.

Essa embriaguez
É um momento de transpor
O óbvio e o real.
E esqueça a sensatez!
Pois, nela tudo ganha nova cor.
Nada mais será igual.

Fazendo uma curta e louca viagem
Num mundo imaginário meio esquisito.
Sentindo a insanidade de passagem
Esquecendo-se tudo que foi dito…
E muitas vezes feito
Porque ninguém é perfeito.
E essa tal embriaguez,
Uma vez que se fez
Não se encontra mais defeitos.

 

OLIVEIRA, A. C.

A cadeira e a palavra cadeira

Não basta olhar pra cadeira
e ver nela os úteis conceito
e função; é ela, por inteiro,
fruto de criação, mais que de beleza.
É ela, cadeira, mais que a visão
de uma cadeira. Mais que cadeira,
é ela recorte de madeira
– mais que conceito: matéria.
                        .
Mais que palavra cadeira,
a palavra posta no poema
não nasce de uma bebedeira,
ou sonho, ou visão, ou a besteira
da inspiração. A palavra cadeira,
como tantas outras no poema,
é tão simplesmente armação:
mais que conceito: composição.
                        .
Notar que, por trás da cadeira,
há o trabalho do marceneiro,
que inventa a curva e a reta.
Por trás da palavra cadeira,
inventa, também, num poema,
a figura pensante do poeta:
As coisas não nascem do acaso,
senão do compasso e da  régua.
TTL

Mulher para além do olhar

A mulher que amo está

Misturada ao ferro e à argila.

Sua saliva me enferruja,

Seu brando olhar me congela.

.

O corpo dela é de nuvem:

Extensão , duração se quedam.

A mão esquerda abre abismos,

A direita aplaca mil medos.

.

Seu caminhar de muitas léguas

As pedras rompe desde o cerne.

A mulher que amo tem leite

Para alimentar o eterno.

.

Não é constante nem fluente,

Não é de fogo ou de água:

É de ferro e argila feita,

Corre-lhe o tempo da estátua.

 

TTL

XXI

A Vênus, Madona, Pandora,

O ânus, a flor, o vulcão,

A maçã, a pedra, o sabão

O ônix, a fênix, a cânfora

.

O nojo, o beijo, o sujo,

O lodo, o musgo, o sêmem;

A alma, a lama e o creme

Da prata quente do mijo

.

O mel, o sangue, e a púbis

O esgar, o gozar e o escarro

O lodo, a bosta e o barro

O ferro, a terra e a nuvem

TTL