O enquanto da espera

Era a quinta vez que aquela moça olhava o relógio. E provavelmente, daqui a trinta segundos, ela irá tirar, pela décima vez, o celular da bolsa para ver se chegou alguma mensagem.

Tá vendo! Já está ela tirando o celular da bolsa.

É engraçado ver as pessoas agindo desse jeito. Hoje em dia estar sozinho, distraído por aí, é um crime. Ninguém tem mais paciência para estar em sua própria companhia.

Aquele cara ali faz cinco minutos que está esperando. Já subiu as escadas, já desceu de novo. Já perguntou para o guarda, duas vezes, se aquele metrô não tinha outra saída. Acredito que a pessoa que ele espera, quando ela chegar, vai ouvir um “Demoro hein? Faz um tempão que eu estou esperando! ” Eu também estou há um tempão aqui. E pelo jeito vou ficar mais um tempão aqui ainda. E por aqui vai passando uma pessoa mais esquisita que a outra.

Mas esquisito é aquele casal ali. E olha lá aquele que estranho! Ele finge que esconde para o bebê, e o bebê parece que não tá entendendo nada. Mas ele sorri. É um bebê educado.

Quem não é nada educado é aquele guardinha ali. Ai que infeliz! Fica lá rindo à toa olhando para todas as mulheres que passam pela catraca. Nem disfarça. Indelicadíssimo.

Aqueles ali também são indelicados e nada discretos. E tudo essa algazarra por causa de uma selfie. A juventude é uma beleza né? Não precisa se preocupar com nada. Até esperar um amigo no metrô é pura diversão. Mas bem que eu queria estar ali com eles, fazendo uma selfie e rindo alto, despreocupada.  E pensando bem não seria má ideia, ainda mais se a selfie fosse junto com aquele mocinho de camisa xadrez!

Ai, ai! Que saudade dos meus quinze anos! É, pois é! Só que esses quinze anos já estão no passado. Agora é seguir em frente…

Não é que a pessoa que a moça esperava chegou! Deve ser a mãe dela, pois é uma senhorinha. Pela cara delas acho, deve ter acontecido alguma coisa grave. Ninguém se abraça daquele jeito se cumprimentando. Espero que seja só carinho mesmo, porque foi estranho. Bem… boa sorte para elas.

Chegou! Finalmente! Provavelmente ela é a esposa e aquele ali deve ser o filho do homem. E não falei? Ele já está lá falando “Demorou hein? Estou aqui há um tempão!”

Homens… tão previsíveis!

E todo mundo chegou. Até o bonitinho de xadrez se foi. O velhinho brincalhão já passou a catraca. Só sobrou eu aqui…

Pior que ficou vazio agora. Medo! Ai tomara que aquele guarda nojento não perceba que eu estou aqui! Tarde demais, já me viu! Vou disfarçar. Olhar para o nada e fazer cara de paisagem!

Mas também eu tinha que sair correndo? Com medo dessa chuva cair? No fim nem choveu e eu estou aqui esperando, sozinha. Poxa vida! Também quando ela chegar vou brigar com ela. Vou falar bem assim “podia ter avisado que ia demorar né? ”

Mentira! Me conheço. Não vou brigar com ela não. Na verdade, nem posso, porque também não sou um exemplo de pontualidade.

Olha o movimento de novo de pessoas. Ufa! Ainda bem! Ninguém merece ficar sozinho aqui. Melhor assim. Afasta a ideia de solidão.

E olha lá! É ela!

 

OLIVEIRA, A.C.B.

O mistério da gata de todas as cores

Num certo sábado. Um sábado como outro qualquer, em que mamãe estava na área de serviços lavando roupas. Lá estava ele, aberto e pedindo para ser explorado. Ele, o janelão da área de serviços.

Eu e minha irmã costumávamos ficar ali com mamãe. Enquanto ela colocava as roupas de molho, em enormes bacias com água e sabão, eu e minha irmã fazíamos o dia de praia das Barbies.

Sempre que mamãe sai da área, para buscar roupas novas, eu e minha irmã, correríamos para o janelão, e ficávamos lá olhando os telhados das casas e a varanda da vizinha da frente. Mas logo mamãe chegavam e já mandava “Saíam daí meninas! É perigoso ficar penduradas na janela! ”

Foi em um dia como esse, em que mamãe saiu para buscar mais roupas, que avistamos pelo janelão, a gata de todas as cores. Era de dia e ela estava andado pelo telhado das casas de forma suspeita.

Essa gata era nossa velha conhecida. Estava sempre lá pelos telhados. Era uma gata bem esquisita, magrela-barriguda, e de olhos esbugalhados. Nesse dia ela veio caminhando de forma suspeita. E de repente passou pela parede, e sumiu! Ficamos espantadas.

Será que a gata tinha caído do telhado? Mas por onde? O telhado acabava na parede do prédio. Será que tinha um portal mágico que levou a gata para outra dimensão? Éramos só dúvidas.

Infelizmente, naquele momento, nossa investigação terminou porque mamãe havia retornado, e já estava nos expulsando de nosso posto. Porém, desse dia em diante, eu e minha irmã começamos uma jornada investigativa.

Todos os dias, aproveitávamos um momento de distração de minha mãe, e corríamos para o janelão tentando descobrir o paradeiro da gata. Na maioria das vezes não encontrávamos nada. Nenhum sinal dela. Isso nos fez pensar que por algum momento ela realmente tivesse sumido, e provavelmente por algum portal mágico.

Certa noite, estávamos na cozinha com mamãe quando ouvimos a gata miar. Ela miava alto e parecia que alguém há tinha machucado. Nesse momento, eu e minha irmã, ficamos nos olhando, e em seguida corremos para o janelão. A esperança, de achar a gata, havia surgido novamente em nós.

Dessa vez, mamãe foi conosco até lá, e nada viu. Ficamos todas as três intrigadas. De onde vinha aquele miado? Foi uma noite inteira de miados sem nenhum sinal da gata.

No dia seguinte, tudo em silêncio. E no outro também!

No terceiro dia, minha irmã começou a ficar preocupada com a gata, e passou a manhã chorando, achando que ela havia morrido. A minha mãe brigava com ela dizendo:

– Menina pare de chorar. Ela era uma gata de rua, e tinha cara de doente. Deve ter morrido mesmo. O que podemos fazer? Você viu comigo. Ela não estava no telhado.

Mas mesmo com toda essa explicação, minha irmã, não parava de chorar. Para tentar acalmá-la mamãe resolveu segurá-la próxima a janela para que pudesse confirmar que a gata não estava lá no telhado, que ela havia desaparecido. Foi então que minha mãe e irmã ouviram um miado bem fraquinho. E depois mais outro… e depois outro. E outro.

Ficamos curiosas. Não sabíamos de onde vinha o miado. A gata não estava no telhado. Foi aí então, que a vizinha do sobrado da frente, nos vendo de sua varanda perguntou?

– Tudo bem com a senhora e as meninas? Deixaram cair alguma coisa no telhado?

– Não dona Maria. Estávamos procurando a gata colorida. Ela desapareceu ha um tempo e a pequena está inconsolável. Achávamos que ela havia sumido, mas agora estamos ouvindo um miado – respondeu mamãe.

– A sim! A gatinha – respondeu a vizinha rindo e pensando consigo mesma! A senhora não quer vir aqui pela tarde com as meninas? Eu fiz um bolo de cenoura que a pequena gosta – falou isso e piscou para a minha mãe.

Minha mãe, ainda com cara de atônita, piscou de volta e aceitou o convite.

De tarde, fomos a casa da vizinha.

Ela morava num sobrado, que tinha uma varanda que dava de frente para o janelão da nossa área de serviços. O que separava nossas casas eram os telhados.

Passamos a tarde conversando e comendo bolo de cenoura com suco de laranja. A minha irmã até tinha esquecido a gata e os miados, mas eu não. Quando estávamos para ir embora da casa da vizinha ela logo se lembrou:

– Vocês não estavam tristes por causa da gatinha que sumiu? Já esqueceram dela?

– Não dona Maria, claro que não? A senhora viu se ela passou pelo portal? – Fui logo perguntando.

– Portal? – Respondeu confusa a vizinha.

Tentei explicar para ela sobre os portais mágicos e como eles funcionavam, mas acho que ela não entendeu nada. Também ela já era bem senhorinha.

A vizinha então resolveu nos levar até a sua varanda e nos mostrar o telhado.

A varanda era bem alta e precisamos de dois banquinhos para chegar no parapeito. Quando avistamos o telhado, para nossa surpresa, encontramos a gata, e melhor ela havia se multiplicado em mais quatro gatinhos, um de cada cor.

Para nossa surpresa descobrimos que o portal mágico, por onde a gata havia sumido, na verdade era um pequeno buraco que havia na parede que fazia divisa com o telhado. Ela provavelmente se escondeu lá para poder ter os gatinhos.

E foi assim que descobrimos o que eram os miados da gata de todas as cores.

 

OLIVEIRA, A. C. B.

Pingo d’água

Pingo d’água

Resto da enchurrada.

Pia vázia

Gota d’água.

Ducha,

Mangueira,

Caixa d’água.

 

Nesse mar

De vazia revoada

Pisa fora,

Poça d’água.

 

Cristalina

Refrescante

Limpida água.

 

Queria agora tomar banho

De chuva molhada

 

Quando a crise resistir.

Inspiração

Ducharada…

 

Banheira, balde, bacia.

Pinga torneira vázia.

So sobrou um pingo d’água.

 

OLIVEIRA, A.C.

FOME

Estrondoso ruído rouco.

Das entranhas do estômago.

Gosto azedo, amargo, árido;

Na boca saliva seca da garganta engasgada.

Do fundo do âmago do ser desnutrido.

Rosto cavado, magro, doentio.

Inimigo solto, perigo a vista!

Escaneo, indiferença cobiça.

Face pálida,

Espírito sombrio e franco.

Perdas magricelas.

Pelo corpo em manchas roxas

E feridas abertas.

Os olhos, esbugalhados do filho aflito.

Dor no peito… frio.

Mãe de seios murchos e barriga inchada.

Vida por um fio.

Pânico de uma morte anunciada.

Quando o abdômen murmura por socorro,

Bicho homem em desespero é solto.

Prato vazio sempre a mesa.

Incerteza e tristeza de sobremesa.

Da ganância de uns, a ancia de outros.

Pra ser ter riqueza, preciso para muitos trazer pobreza.

Eis que a contradição traz seu nome:

Fome.

OLIVEIRA, A. C.

Lágrimas

Quando o brilho dos olhos se enchem d’água,

muitas frustrações vem a tona em duras magoas.

Hoje, acordei com um gosto amargo na boca.

Não era ressaca, não era gastrite. Não era amargura de uma rejeição do amor querido… Não, não era nada disso, era apenas indignação.

Passei a noite tendo sonhos bizarros de guerra, morte, pobreza, …, desumanidades mil. Eram só sonhos?…  Espero que sim.

Mas, agora de manhã, me dou conta que a cada dia que passa, me aproximo, cada vez mais, de uma possível realidade hostil, semelhante a dos meus sonhos.

Assistimos todos os dias a filmes contando histórias sobre a 2ª Guerra Mundial, ou sobre o Vietnã. Os maiores best-sellers da atualidade são livros que contam histórias de violência, guerra, morte e autocracias (A menina que roubava livros, o menino do pijama listrado, coletânea millenium, senhor dos anéis, e pasmem! Jogos vorazes, entre outros). O que será que isso pode dizer? Que gostamos de guerras, que adoramos violência, que nosso lance e ver sofrimento? Num sei… Achei que a ideia sempre fosse NÃO ESQUECER tudo isso, que esse passado, nos reduziu como humanos. Mas, pelo que percebo, isso tudo que vemos ai, é nada mais, nada menos, que uma nostalgia de tempos bárbaros.

Num sei como alguém pode se sentir saudoso de períodos como esses: de guerra, morte e atrocidades mil. Num sei como alguém pode sentir saudades de imposições politicas, repressão tortura. Não faz sentido.

Não faz sentido também, as pessoas que hoje vivem e propagam o fascismo. Pior, que fazem isso acreditando que estão sendo democráticos, cuspindo seu discurso de ódio com rotulo de ‘liberdade de expressão’.

Me lembro de um professor que certa vez citou um filosofo, que agora me foge o nome, que sempre se perguntava: “quem inventou o perfeito?” Eu também me faço essa pergunta todos os dias. Porque não importa o que é perfeito, mas quem inventou essa doideira.

O fascismo surgi disso: a busca por uma sistema ‘perfeito’ politico-ideológico-social pautado na falsa ideia de poucos, que acreditam serem perfeitos, através de seu comportamento moral e cívico, e que esses devem ser seguido por todos. E o melhor de tudo, é quando esse sentimento, de perfeição, vem atrelado a ideia de uma ‘iluminação’ divina.

O que me deixou indignada, o que me deixa indignada, e mais ainda, me assusta, é esse levante fascista-cristão, que tem ódio de pobres, negros, homossexuais, mulheres, velhos e crianças. Não sei o que passa na cabeça dessas pessoas, e talvez nem queira saber, pois isso pode me assustar de verdade.

Odiar um pobre é ridículo, ninguém nasce pobre, se torna pobre. Se torna pobre devido a nossa divisão estamental criada por nosso antepassados. Dá pra parar de ser pobre? Não, não dá. Não enquanto vivermos produzindo mais pobre. Quem inventou o pobre? Quem inventou o rico? Nós. Humanos. Logo, só nós, e apenas nós, humanos, podemos desfazer isso. Aliais quem inventou esse conceito de superior e inferior, será que pensou nessa loucura toda que criamos com a divisão social? De centro-periferia?

Hoje, depois de ontem, fiquei assustada. E cada dia que passa fico mais assustada… Estou vendo uma onda fascista nascer em meu Estado, em meu bairro, entre os meus amigos… Não sei como responder a isso… Aliais o que mais me assusta é o ódio que nasce do discurso de ódio. É o ódio que surge do ódio de alguém que propaga o ódio…

Lágrimas ofuscam o brilho dos meus olhos…

Soluços amargam em meus lábios…

Um aperto fundo no peito…

Lágrimas de um ser humano sem amor e cheio de defeitos….

OLIVEIRA, A.C.

Pessoas e vitrais

Pessoas são engraçadas… pessoas são estranhas. Ou partes disso. Encontram-se em fragmentos de momentos, agindo em forma de fragmentos. Porém levam consigo um mosaico inteiro de experiencias e vivências interiores secretas, desconhecidas… qual seria esse todo que só se mostra em fragmentos? Às vezes acho melhor que não se mostre, para que os encontros tenham o peso de um pequeno fragmento e não de um vitral inteiro. Assim como também prefiro não revelar como é meu próprio vitral. Mas quando ele parece demasiado pesado… penso se o dessas pesssoas-fragmento, nos ônibus, pelas ruas, que atravessaram na faixa, possa ser pesado também, de alguma forma. Mas dividir o peso ainda não é uma hipótese. Parece dar mais certo compartilhar alguns fractais em breves momentos. Apesar de pequenos, podem ser mais coloridos e brilhantes que um vitral inteiro. E pequenas belas peças podem formar um novo todo. Mais bonito. Menos pesado.

~~Ghost

Be a bá pra moça amarela

Aquarela rasteira tiú

Com macambeira

Flor de macambira

Cachaça de macumbeira

Pé torto de currupira:

Tudo cabe nessa batedeira

 

Dê-me um beijo beiju

De saideira

Pururuca boçoroca na boca

Pra curar minha canseira

Dessas coisas passageiras

Coça aqui

Roça cá

Tem caqui tem caju tem cajá

Tem maracatu tem curuçu

Tem flor de maracujá

 

Tudo cabe nessa bandeira

Vêm- vê, meu bebê, meu baobá

Ma vem que tem, vem pra beijá

Vem pra sabe de meu savará

Sentir correr a saraivada

Coça aqui

Roça cá

Uma saraivada de saliva

 

Aquarela beijo bomba

Baba batom botoque batuque

Boi bobo meu boi bumbá

Vem pra aprender meu be a bá

Que tudo isso

É só feitiço

E passará

 T.

Trajetória

Um lugar reservado

Silencioso e confuso no escuro

Mas que resiste ao mau tempo

E pode ser um refúgio

No meio da correnteza de incertezas

E da tempestade de enganos

 

Um consolo para acreditar

Que a pedra do ontem pode rolar

Do alto do hoje

E virar poeira no amanhã

 

A incerteza não é incerta quando se acredita nela.

Pois tem o dom de fazer

Um texto com travas e erros

Poder virar poesia.

E se não fosse assim não teria graça

Seria produção em série

 

O atrito dos obstáculos

Provoca idéias elétricas

Reveladas se dissipam

Mas no silêncio se magnetizam

No segredo. No mistério.

 

Podem até fazer rodopiar

Uma folha levada pelo vento

Gosta do verde azul voar

Sabe aonde vai

Ou voa sem rumo

Ou espera cair

Dentro do caderno.

De alguém.

Espera que seja para sempre.

Até o vento voltar.

~~Ghost

O POETA

Rima?

Dúvida?

 

O erro do poeta:

Buscar forma correta

Para poesia inversa.

 

Escrita,

Dialética.

Espaço,

 

Para sentidos diversos

Colocar palavra em verso.

E do individuo ser me despeço.

 

Dicionário e alfabeto.

 

OLIVEIRA, A.C.